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Corsários Mouros - I

Desde o declínio do Império Romano que os piratas Norte Africanos, conhecidos como piratas da Barbária, termo derivado da designação dada pelos romanos ao troço Ocidental da costa do Magrebe, atacavam navios mercantes e povoações costeiras mal defendidas, de forma indiferenciada, e buscando apenas o saque que daí obtinham.

A partir do século XII a actividade dos piratas da Barbária ganha outros contornos, já que passa a integrar-se no contexto da guerra entre muçulmanos e cristãos, com o início dos ataques aos navios que transportam os cruzados para a Palestina e ataques às próprias povoações costeiras que lhes dão apoio.

Esta alteração legitima a sua actividade perante as autoridades do Norte de Africa e os piratas passam a ser considerados como corsários.

As conquistas cristãs no século XIII no Al-Andalus e os êxodos de populações que se lhes seguiram, concretamente nos séculos XV e XVII, com a conquista do Reino de Granada, o estabelecimento da inquisição e a expulsão dos mouriscos, são a principal fonte de recrutamento para a actividade corsária ou corso.

De facto, a guerra aos cristãos levada a cabo pelos Andaluses acaba por se transferir para o mar, estabelecendo-se muitos dos expulsos em núcleos costeiros de Marrocos, que se tornam autênticos “ninhos” de corsários que atacam permanentemente os navios e as costas da Ibéria.

 

Em primeiro lugar importa distinguir o pirata do corsário _ enquanto o pirata é um fora da lei, que ataca e saqueia para seu benefício próprio, o corsário cumpre um objectivo político, actuando como uma espécie de guerrilheiro do mar, que apesar de obter lucros com a actividade que desenvolve, cumpre um papel muito importante no âmbito da política externa do país que serve.

Abriga-se num local que lhe é autorizado e a sua acção á reconhecida pelos governantes, por vezes através da concessão de uma “carta de corso”, e repartindo com eles o produto do seu saque. A sua actividade não se resumia ao ataque a navios, mas também a incursões terra a dentro, onde não só pilhavam as regiões costeiras, como raptavam as populações para as escravizarem.

A entrada em cena dos corsários turcos, após a integração da Argélia no Império Otomano, vem dar uma nova amplitude à actividade corsária, já que a enquadra no âmbito das pretensões turcas de conquista da Europa e a generaliza territorialmente no Mediterrâneo.

Este protagonismo dominante dos turcos no corso originou que a designação dos corsários Norte africanos fosse muitas vezes a de “corsários turcos”, nomeadamente para os ingleses, que ainda hoje se referem a qualquer eventual ameaça às suas costas como “o perigo turco”.

Para nós portugueses, as designações que prevaleceram foram as de “corsários da barbária”, “corsários berberes” ou “corsários mouros”. Daí a designação“anda mouro na costa”, utilizada quando algo corre mal, que convém não confundir com a expressão “anda moura na costa”, cujo significado é por demais conhecido.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os desertores cristãos também são uma fonte de recrutamento para o corso, com a particularidade de transmitirem aos muçulmanos um grande número de conhecimentos em termos de técnicas de navegação que estes não detinham até aí. Por exemplo, é devido aos corsários de origem europeia que os turcos abandonam no século XVI as galeras a remos e adoptam os barcos de menor calado com vela latina, mais rápidos e facilmente manobráveis.

Os navios utilizados pelos corsários eram pequenos e rápidos, movidos tanto a remos como à vela e estavam equipados com canhões. Apesar de o corso no Atlântico só operar geralmente entre Abril e Outubro, tendo em conta que estes navios não suportavam as condições rigorosas do inverno na região, há notícia que frequentemente atacavam os Açores, a costa Sul de Inglaterra e terão mesmo chegado à Islândia.

Normalmente o produto do corso era dividido da seguinte forma _ 10% para a autoridade da cidade, 45% para o armador do navio e 45% para a tripulação. Ironicamente, a maior parte das mercadorias roubadas aos europeus eram vendidas na Europa, principalmente no mercado italiano.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mas a grande actividade associada ao corso era o tráfico de escravos. Pensa-se que entre os séculos XVI e XIX os corsários tenham feito prisioneiras cerca de um milhão de pessoas em diversos países europeus. Só em Argel, no auge da actividade dos corsários, ou seja, em meados do século XVI, estima-se em mais de 20.000 o número de europeus prisioneiros nas masmorras da cidade. Tetuan e Salé ficaram também conhecidas como importantes centros de aprisionamento e venda de escravos.

Os prisioneiros portugueses da “Guerra do Corso” eram muitas vezes encarcerados nas Masmorras de Tetuan, uma prisão criada num complexo subterrâneo formado por um conjunto de grutas naturais situado por baixo do Monte Dersa, onde assenta a Medina e o Ensanche da cidade. Conhecidas pelo nome de Mtamar, termo Árabe que significa “lugar de enterramento”, as Masmorras são de tal forma extensas e labirínticas que não se conhece a direcção e extensão das suas galerias e os acessos ao seu interior encontram-se actualmente encerrados.

Referenciadas por Hassan Al-Wazzan, conhecido como Leão o Africano, sua origem remonta aos finais do séc. XV e inícios do séc. XVI, quando Sidi Ali Al-Mandari e os refugiados de Granada se instalaram na cidade, assumindo um papel importante como principal lugar de concentração e venda dos cativos ibéricos nos séc. XVI e XVII. “Das actividades bélicas e comerciais dos primeiros habitantes de Tetuan do século XVI nasceu um importante mercado de escravos. Neste contexto, as masmorras deram origem a um serviço público necessário que formou parte do sistema económico da cidade.”

As Masmorras foram também um local de culto cristão, conforme ficou comprovado nas escavações realizadas nos anos vinte durante o protectorado espanhol, nas quais se encontrou a Igreja das Masmorras.

Os corsários procuravam geralmente cobrar os resgates no momento da captura, evitando o transporte dos cativos. Para isso mantinham-se nos locais de aprisionamento durante alguns dias, promovendo o pagamento dos resgates por familiares.

Os reféns levados para o Norte de Africa tinham sorte diferente. Os mais ricos eram muitas vezes salvos após alguns anos de cativeiro, muitas vezes pelos chamados alfaqueques, profissionais do resgate de prisioneiros. As mulheres jovens eram rapidamente vendidas para os haréns. Quanto aos mais pobres, acabavam invariavelmente nos trabalhos forçados ou nas galés como remadores, onde o tempo de sobrevivência era muito reduzido.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

In: http://aventar.eu/2012/02/05/corsarios-mouros/  (20/05/2014)

O “chebec”, um dos barcos muito utilizados pelos corsários mouros

Venda de uma escrava europeia num mercado de Argel

Khayr Ed-Din Barbarossa

O título Reis ou Rais, derivado do Árabe “raís” ou “presidente”, era atribuído geralmente aos chefes corsários, casos de Turgut Reis, Soliman Reis, Salah Reis “cabeça de fogo” ou Murat Reis

Khayr Ed-Din Barbarossa e seu irmão Aroudj Reis são talvez os mais célebres corsários da história. De origem turca, estabelecem-se em Argel, sob a protecção do Império Otomano, cuja soberania garantem na região. A sua actividade era sobretudo a de capturar populações e vendê-las como escravas, e o seu raio de acção ia desde o Mediterrâneo ao Mar do Norte. O número de cativos que aprisionavam era em muitos casos enorme, como são exemplo os 9.000 prisioneiros feitos em Lipari ou os 4.000 prisioneiros feitos na ilha de Ischia.

Aroudj Barbarossa, Aroudj Rais ou Baba Aroudj (Papá Aroudj), irmão mais velho de Khayr Ed-Din

Outro corsário célebre foi Murad Rais. De nome Jan Janszoon, nasceu em Haarlem, na Holanda, quando o seu país estava ocupado pelos espanhóis. Ingressa na marinha e é capturado por corsários muçulmanos nas ilhas Canárias. É levado para Argel, onde se converte ao Islão e toma o nome de Murad Rais, ”o jovem”. Adere ao corso e escolhe Salé como sua base, da qual se torna governador, sendo conhecido como “o Grande Almirante”. Dos seus feitos contam-se um raid à Islândia e vários ataques a Inglaterra. É feito prisioneiro pelos Cavaleiros de Malta, evadindo-se em 1640, após o que é nomeado governador da fortaleza de Oualidia.

 

Outros nomes de corsários mouros famosos são os de Hassan Corso, Cacchi “o diabo”, ou Hassan Português.

Jan Janszoon van Haarlem, aliás Murad Rais, o “Grande Almirante”

A actividade dos corsários, enquanto actividade assumida pelos próprios estados que servem, é também enquadrada ao nível da política externa, dando origem a tratados e acordos e acompanhada pela troca de representantes diplomáticos.

Durante o período da ocupação espanhola de Portugal e da guerra entre Espanha e a Inglaterra pelo domínio do comércio no Atlântico, ingleses e marroquinos celebram uma aliança com implicações políticas e económicas. Esta aliança vem reforçar a actividade do corso junto da costa portuguesa, e origina a troca de embaixadores entre os dois países. Abdelouahed Ben Messaoud será o primeiro diplomata de Marrocos a permanecer em Londres, a partir do ano1600.

Abdelouahed Ben Messaoud, embaixador de Marrocos na corte de Isabel I

Outro embaixador de relevo foi o almirante marroquino Abdelkader Perez, que cumpriu funções diplomáticas em Londres entre 1723 e 1737. Como o nome indica, provinha de uma família de origem andalusa. Não se podendo falar da existência de uma marinha de guerra de Marrocos, o título de almirante era conotado com a sua origem de corsário.

A aliança anglo-marroquina foi decisiva em determinados períodos, assegurando a presença da armada inglesa na defesa de portos de Marrocos e também como se verá adiante, na resolução de conflitos entre os próprios corsários mouros.

O almirante Haj Abdelkader Perez

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