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Os Navios e as Técnicas Náuticas Atlânticas nos Séculos XV e XVI: Os Pilares da Estratégia 3C

2. Os Navios                                                                                 Contra-almirante António Silva Ribeiro

 

Os navios de vela sofreram mais alterações entre 1400 e 1550 do que em todo o período posterior1. Embora com diferentes funções, foram diversos os tipos de navios que constituíram o primeiro pilar da estratégia 3C, adoptada por Portugal para conhecer, comerciar e combater no mar e a partir do mar, entre os séculos XV e XVI. Neste contexto, adquiriram especial relevância a caravela, a nau e o galeão, na medida em que as suas características foram determinantes para conferir maior abrangência ao vasto leque de actividades marítimas, ao mesmo tempo que conduziram a um melhor desempenho operacional dos portugueses no mar e partir do mar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fig. 1 - Caravela latina do início do século XVI representada no Retábulo de Santa Auta

 

A caravela, ou caravela latina (Fig. 1), esse navio quase mítico que marcou a primeira fase dos Descobrimentos Portugueses, aparece, durante séculos, na mais diversa documentação. Distinguiu-se pela sua versatilidade náutica, pelo que foi decisivo nas actividades marítimas destinadas a conhecer a geografia do nosso planeta. Todavia, na nossa despretensiosa apreciação, foi João da Gama Pimentel Barata quem conseguiu descrever a utilização da caravela de for­ma tão sucinta quanto definitiva: «Este navio elegante, harmonioso, teve uma vida de cinco séculos, durante os quais foi pescador, comer­ciante, guerreiro e pioneiro».

 

O seu pequeno calado, aliado a uma manobra simples e a uma capacidade de carga adequada, terão constitu­ído trunfos fundamentais para a sua utilização intensiva e percursora nas viagens de exploração de costas, ilhas, rios e baixos desconhecidos. Armava com um a três mastros, todos latinos, dispondo de castelo de popa para abrigo dos que nela navegavam.

 

Convém referir que a vela latina utilizada nas caravelas e noutros navios do Me­diterrâneo, além de permitir navegar mais chegado ao vento, veio, acima de tudo, tornar prática a manobra de virar de bordo por davante, que consiste em passar o vento para o bordo oposto, pela proa do navio. Este último factor cedo se revelou crucial, nome­adamente em locais confinados, pois o navio, no decorrer da manobra, não perdia barlaven­to. Por seu turno, a manobra de virar de bordo por parte do navio de pano redondo - a nau e o galeão - só era possível fazendo passar o vento pela li­nha de popa, conhecida por virar em roda. A única vantagem que daqui advém é o facto de ser uma manobra isenta de risco e que não exige grande coordenação, contrariamente ao virar por davante. O problema é que o navio perde barlavento, o que pode tornar desaconselhada a prática dessa manobra em espaços confinados, na pro­ximidade de perigos ou em determinadas situações de combate. Em qualquer dos casos, para a navegação com vento constante para ré do través, a vela redonda é insubstituível, o que nos impele a concluir que o desenvolvimento da caravela redonda, provavelmente em fi­nais do século XV, mais não foi do que uma tentativa para combinar, num único navio de considerável porte, as vantagens reconhecidas a cada um dos tipos de velas e aparelhos. E, a avaliar pelo período em que se manteve ao serviço, a caravela redonda parece ter sido um sucesso, pelo menos na óptica da utilização mais comum, um misto de navio hidrográfico, de transporte e de guerra, fundamental à estratégia 3C, concebida e operacionalizada por Portugal para afirmar os seus interesses à escala global.

A caravela redonda largava pano latino de bastardo nos três mastros situados mais a ré, diferindo da caravela latina pelo facto de dispor de castelo de proa, só possível porque no mastro de vante (traquete) contava com velas redondas. Tudo indica que foram utilizadas até meados do século XVII, nomeadamente na carreira da Índia, mas também como navio de combate e de transporte no Índico, havendo notícia de em 1656 ainda existir em Portugal uma força naval constituída por este tipo de navios.

 

Aparentemente, foi a necessidade conjugada de transportar mais carga e de dispor de pesadas peças de artilharia a bordo, que levou ao aumento das dimensões da caravela redonda. Neste sentido, com o intuito de manter o centro de gravidade baixo, como forma de não comprometer a estabilida­de, foram aumentados o pontal e o cala­do, viabilizando assim a existência de vários pavimen­tos (cobertas) no seu interior.

 

O termo nau foi empregue pelos portugueses para designar os navios de alto bordo, os quais, pela sua capacidade de carga, foram prioritariamente utilizados no comércio marítimo. Terão sido as condições de ven­tos favoráveis experimentadas com o advento da volta pelo largo no Atlântico Sul, com o objectivo de dobrar o cabo da Boa Esperança, que fizeram evo­luir a construção naval para a concepção e produção do navio que, doravante, passou a designar-se como nau da carreira da Índia. Tratava-se de um navio de grande porte, com acastelamentos à proa e à popa, que dispunha, maioritariamente, de pano redondo, tendo em vista tirar proveito dos denominados ventos gerais, nas viagens transoceânicas para o Oriente e, posteriormente, no Índico.

 

Mantendo as características básicas iniciais, a nau viu aumentar as respectivas dimensões, por necessidade de uma maior capacidade de carga. No entanto, o incremento do porte trouxe consigo dificuldades acrescidas, que se traduziram numa diminui­ção drástica da manobrabilidade e da ve­locidade, com consequências óbvias para os aspectos da defesa própria, quando em presença de navios menores e bem armados, mais velozes e manobráveis.

 

Em termos de aparelho vélico, as naus dos séculos XVI a XVII dispunham de três mastros. Nos dois situados mais a vante, traquete e grande, largavam pano redondo, ao passo que no de ré, a mezena, envergava pano latino de bastardo, também conhecido como vela-ré. Se a capacidade de carga foi aumentando progressivamente, o seu armamento traduziu-se, igualmente, num crescente número de peças e respectivos calibres.

 

É perfeitamente admissível que o incre­mento das dimensões, da capacidade de carga e do armamento da nau, tenham estado na base do au­mento da respectiva área vélica, traduzido pelo aparecimento de velas distribuí­das um pouco por todo o navio, longitudinal e verticalmente, cujo objectivo passava, também, por conferir equilíbrio ao conjunto. Terá sido em resposta a tal exigência que, à proa, surgiu uma verga, sen­sivelmente a meio do gurupés, onde envergava a vela de cevadei­ra. Posteriormente, passaram a existir no mastro grande duas vergas, tendo o mesmo processo sido adoptado no mastro do traquete. As vergas superiores adquiriram, respectivamente, as designações de gávea e velacho, mantendo as inferiores a denominação do pró­prio mastro. No entanto, apesar destas melhorias, com ventos fra­cos o navio continuava a revelar-se lento, razão pela qual passou a ser cosido, nas esteiras dos papa-figos, um acrescento de pano denominado moneta. Em termos exclusivamente vélicos, com a introdução destes melhoramentos, a nau passou a ser um navio mais versátil e seguro. Assim, com vento fraco todo o pano exis­tente a bordo era caçado. No entanto, à medida que este ia refrescando, eram carregadas a ceva­deira e as gáveas, sendo descosidas as monetas. A primeira, apesar da sua posição baixa não colocar em risco a estabilidade do navio, era carregada logo que o estado do mar o justificava, caso contrário a vaga, por acção do caturrar, poderia levar à perda do gurupés, comprometendo, em definitivo, o aparelho vélico e a segurança do navio.

 

Em sentido lato, e certamente por navegarem em companhia, a palavra nau tanto era utilizada para designar as naus propriamente ditas como os galeões, navios igualmente de grande porte, mas com uma morfologia que não era de todo coincidente. Como facilmente se percebe, face às limitações no que respeita à manobrabilidade e à velocidade, as naus, car­regadas com as riquezas vindas do Orien­te, cedo constituíram presas fáceis dos corsários. Nestas condições de sobrecarga, as suas qualidades náuticas eram substancialmente reduzidas, nomeadamente a capacidade, já de si fraca, em navegar che­gado ao vento. Atendendo a estas limitações, as naus eram, por norma, protegidas pelos galeões, navios com grande poder de fogo e, por isso, destinados a combater.

 

O galeão português terá surgido, provavelmente, durante o primeiro quartel do século XVI, contribuindo para a hegemonia de Portugal no Oriente. Tratava-se de um navio mais robusto e melhor armado, com menor capacidade de carga do que as naus utilizadas no transporte de mercadorias, mas que se revelou especialmente adequado à escolta destas em frotas, armadas e comboios, designadamente, na carreira da Índia. Na opinião do padre Fernando Oliveira «não são tão poucos os navios que não passem de cento, com os da Índia senão quanto alguns deles são muito grandes, e de mais força e despesa que as galés, porque são galeões de alto bordo de quinhentos e seiscentos tonéis de porte e de mais, que vale um por muitas galés».

 

Pela iconografia estudada, afigura-se-nos verosímil que, em termos estruturais, o ga­leão possa constituir uma evolução da caravela redonda. Com efeito, a observação de uma imagem das Tábuas dos Roteiros da Índia de D. João de Castro (Fig. 2), parece conferir alguma credibilidade a esta tese. Aliás, chama desde logo a nossa atenção o facto do galeão (em cima, à direita), contrariamente ao que su­cede com as duas naus (em cima, à esquerda), contar com castelo de proa mais discreto e cas­co mais afilado, tal como a caravela redonda, o que é devidamente comprova­do pela maior relação entre o comprimento e a boca. Ambas as características, aliadas a um armamento poderoso e linhas mais hidrodinâmicas ao nível das obras vivas, fizeram do galeão, nos séculos XVI e XVII, o navio de guerra português por excelência. De resto, o seu casco contava com uma maior den­sidade de balizas e longarinas, o que tornava a construção mais sólida e, acima de tudo, mais resistente aos pro­jécteis da artilharia naval.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fig. 2 - Naus, galeão, caravela redonda e galés, numa imagem do Roteiro de D. João de Castro

 

Numa primeira fase, o galeão português dispunha de esporão e aparelhava com três mastros, os dois de vante redondos e o de ré latino. Fruto da natural evolução suscitada por novas exigências bélicas, passou, posteriormente, a contar com quatro mastros. Com esta configuração eram dotados apenas os navios de maior porte, sendo que os dois mastros situados mais a ré apenas dispunham de pano latino.

 

Um outro pormenor que se distingue no galeão é a presen­ça de um beque de dimensões apreciáveis, prolongando, ho­rizontalmente e para vante, a roda-de-proa. Em nosso entender este requi­sito, que já podia ser detectado na caravela redonda, parece ser pro­va do maior esforço exigido ao guru­pés, ao qual não será alheio o facto de, tanto a altura dos mastros como a superfície vélica terem crescido com o tempo.

 

Por outro lado, a forma afilada do casco permi­tia-lhe atingir uma maior velocidade, enquanto a menor altura do castelo de proa lhe conferia qualidades mais veleiras, nomeadamente maior capacidade para orçar e nave­gar a uma bolina mais cerrada, com vantagem para a manobra em espaços confinados. O grande poder de fogo destes navios, tendia a de­sequilibrar, a seu favor, o desfecho das contendas travadas no mar, tendo sido utilizados no Atlântico e no Índico.

 

Cumpre referir que a verga da vela grande, habitual­mente era mantida arriada quan­do o navio se encontrava fundeado, minimizando a acção do vento no respectivo aparelho, conferindo, por isso, maior se­gurança nessas condições, especialmente em fundeadouros com tença mais fraca. O procedimento descrito pode ser observado no excelente desenho das Tábuas dos Roteiros da Índia de D. João de Castro antes apresentado, onde se verifica estar arriada a verga da vela grande, tanto no galeão como nas duas naus que se encontram fundeadas. Na parte inferior deste desenho, podem ainda ver-se duas galés (esquerda) navegando a remos e uma caravela redonda fundeada (direita).

Em meados do século XVII os galeões viram acrescentada uma terceira verga (joanete) em cada um dos mas­tros, onde passou a envergar mais uma vela redon­da, que recebeu igual designação. Além de ampliar a área vélica, com vista a aumentar a velocidade do navio, conferia também maior flexibilidade à gestão do pano, de acordo com as caprichosas alterações do vento.

 

Como refere Marques Esparteiro, o galeão era «muitíssimo superior à nau como navio de guerra, de vela, em poder ofensivo, manobra, velocidade e em bolina». Ainda segundo este autor, terão sido as guerras no Oriente, contra os holandeses, que ditaram o seu desaparecimento, em virtude da sua velocidade e manobrabilidade perderem francamente para os navios flamengos. Não obstante, tudo indica que a esquadra de cruzeiro na costa de Portugal ainda contava com um galeão em 1676, provavelmente um dos últimos exemplares, sendo que a sua extinção foi ditada pelo advento de navios de combate com melhores características, as naus de guerra e as fragatas.

 

Muito embora os portugueses tenham utilizado outros tipos de navios na expansão marítima realizada a partir de 1415, designadamente, barcas, barinéis, caravelões e bergantins no Atlântico, além de patachos, galés e fustas nas escaramuças travadas pela afirmação no Índico, foram a capacidade de carga da nau e o poder de fogo do galeão que serviram de esteio à estratégia 3C, em grande medida secundadas pela versatilidade náutica das caravelas latina e redonda. Na realidade, tudo indica que a maioria dos avanços hidrográficos e cartográficos, essenciais à prática, em segurança, dos portos do Índico, bem como nas costas africana e brasileira, foram, em primeiro lugar, proporcionados pelas caravelas latina e redonda. Foi com este tipo de navios que se recolheram os importantes elementos sobre os regimes dos ventos, marés, profundidades, correntes, perigos e localização rigorosa dos diferentes lugares, dos quais resultaram os primeiros documentos náuticos portugueses. Neste sentido, as caravelas latina e redonda podem, sem favor, ser consideradas os verdadeiros navios hidrográficos dos Descobrimentos. Sem a sua acção, por se tratarem de navios particularmente adequados a tal tarefa, não teria sido possível cartografar costas e ilhas, identificar baixos e escolhos, ou explorar angras e fozes de rios, conferindo, assim, condições para que os navios mais valiosos - naus e galeões - pudessem navegar em segurança, comerciar com proveito e projectar força com sucesso. Neste contexto, como já se referiu, a acção dos diferentes navios não pode ser vista de forma isolada, pois sempre foi a necessidade das circunstâncias a ditar o tipo a utilizar. Tendo presente o objectivo político português de alcançar e manter o monopólio da navegação e do comércio com o Oriente, podemos considerar que os principais tipos de navios antes caracterizados, prestaram serviços da maior relevância à estratégia 3C, em três períodos distintos.

 

Muito embora os portugueses tenham utilizado outros tipos de navios na expansão marítima realizada a partir de 1415, designadamente, barcas, barinéis, caravelões e bergantins no Atlântico, além de patachos, galés e fustas nas escaramuças travadas pela afirmação no Índico, foram a capacidade de carga da nau e o poder de fogo do galeão que serviram de esteio à estratégia 3C, em grande medida secundadas pela versatilidade náutica das caravelas latina e redonda. Na realidade, tudo indica que a maioria dos avanços hidrográficos e cartográficos, essenciais à prática, em segurança, dos portos do Índico, bem como nas costas africana e brasileira, foram, em primeiro lugar, proporcionados pelas caravelas latina e redonda. Foi com este tipo de navios que se recolheram os importantes elementos sobre os regimes dos ventos, marés, profundidades, correntes, perigos e localização rigorosa dos diferentes lugares, dos quais resultaram os primeiros documentos náuticos portugueses. Neste sentido, as caravelas latina e redonda podem, sem favor, ser consideradas os verdadeiros navios hidrográficos dos Descobrimentos. Sem a sua acção, por se tratarem de navios particularmente adequados a tal tarefa, não teria sido possível cartografar costas e ilhas, identificar baixos e escolhos, ou explorar angras e fozes de rios, conferindo, assim, condições para que os navios mais valiosos - naus e galeões - pudessem navegar em segurança, comerciar com proveito e projectar força com sucesso. Neste contexto, como já se referiu, a acção dos diferentes navios não pode ser vista de forma isolada, pois sempre foi a necessidade das circunstâncias a ditar o tipo a utilizar. Tendo presente o objectivo político português de alcançar e manter o monopólio da navegação e do comércio com o Oriente, podemos considerar que os principais tipos de navios antes caracterizados, prestaram serviços da maior relevância à estratégia 3C, em três períodos distintos.

 

No início do século XV os portugueses sabiam que, no mar, enquanto não se produzisse o choque entre a cultura ocidental e oriental, onde havia povos com armadas poderosas, não haveria necessidade de realizar combates navais decisivos. Por isso, inicialmente, foram utilizados navios ligeiros, dispondo de maior velocidade e manobrabilidade. Desta forma, o procedimento português no primeiro período da estratégia 3C (1415-1487), caracterizou-se por ser dirigido à ocupação das ilhas atlânticas e outros pontos de apoio relevantes na costa africana até ao Cabo Bojador, de forma a garantir o domínio do Atlântico. Para este efeito, foram utilizados navios de ocasião, como barcas, barinéis e caravelões. Em simultâneo, realizou-se o imprescindível estudo sistemático dos agentes físicos do Atlântico, com particular relevância para o regime de ventos e correntes, ao mesmo tempo que progredia a exploração da costa africana em busca de passagem para o Índico. Nestas tarefas foi usada, preferencialmente, a caravela latina. Facto novo neste período é a inclusão, na esquadra de Bartolomeu Dias, de um navio destinado exclusivamente ao apoio logístico. Esta importante evolução, verificada em 1487, deve-se ao facto de, nesta altura, já se navegar muito longe de Portugal e o abastecimento de víveres no Atlântico Sul ser particularmente difícil e incerto. No sentido de tirar partido das descobertas efectuadas para atingir o objectivo comercial, foram posteriormente empregues navios de maior porte, como as naus, os galeões e as caravelas redondas, que podiam transportar mercadorias, artilharia e forças de desembarque. No segundo período da estratégia 3C (1487-1509), o procedimento português caracterizou-se por ser dirigido: ao incremento do comércio nas costas do Índico, bem como à conquista e manutenção de pontos de apoio à navegação; à prossecução da prática de sonegar, às restantes potências marítimas da Europa, o conhecimento dos portugueses sobre hidrografia e cartografia do Hemisfério Sul; e à procura do combate naval, como meio directo para destruir o poder marítimo do inimigo.

 

Neste período há, simultaneamente, navios a descobrir (conhecer) as costas e os mares do Índico, a demandar os entrepostos africanos e indianos (comerciar) e a projectar força no mar e a partir do mar (combater) empenhamentos que, de forma implícita, deixam transparecer o paradigma da estratégia 3C. A descobrir, no Atlântico e no Índico, continuaram a ser usadas, preferencialmente, as caravelas latinas e redondas, navios rápidos e de grande manobrabilidade. A demandar entrepostos comerciais e a projectar força foram utilizadas, sobretudo, as naus, que, além de possuírem defesa autónoma, dispunham também de maior capacidade de carga.

 

Em 1503, tendo em vista dar resposta às crescentes disputas e conflitos no Índico, D. Manuel I procedeu à divisão dos agrupamentos de navios em função da finalidade a que se destinavam. Para a guerra, passaram a ser usadas armadas, compostas por navios ligeiros, rápidos e bem artilhados, de forma a obter o melhor desempenho nos combates navais. Para o comércio, foram construídas frotas, compostas por navios maiores, que privilegiavam a capacidade de carga em detrimento da velocidade, da manobrabilidade e do armamento. Para descobrir continuaram a ser utilizados navios de pequena dimensão e reduzido calado, alguns dos quais combinavam a propulsão a remos com a vela.

 

É neste período que se dá, verdadeiramente, início à era do poder marítimo, porque, pela primeira vez, uma potência emprega, globalmente e em simultâneo, navios em actividades científicas, económicas e político-militares, de forma a garantir o uso do mar em função dos seus interesses nacionais em tempo de paz ou de guerra.

 

No terceiro período da estratégia 3C (1509-1550) intensificou-se a recolha de informação de cariz hidrográfico no Brasil, o mesmo sucedendo relativamente a toda a costa africana e em certas regiões no Oriente, nomeadamente naquelas onde se encontravam localizados os interesses estratégicos portugueses. Apesar de se terem empenhado navios em missões exclusivamente hidrográficas, só se nos afigura possível a recolha de tão grande quantidade de informação geográfica, num prazo de tempo tão curto, com o contributo activo dos pilotos que se encontravam embarcados em todos os tipos de navios. Neste período, o procedimento português no quadro da estratégia 3C caracterizou-se por ser dirigido: à obtenção de novos pontos para apoio à navegação e comércio, agora estendidos para o Sueste asiático, que se vieram juntar aos anteriormente existentes, quer no Atlântico, quer no Índico ocidental; ao abandono do combate naval, como meio principal e directo para garantir o controlo dos mares; ao estabelecimento de uma base principal de apoio logístico e operacional no Oriente, representada pelo território de Goa; à definição e execução da que tem sido denominada por «Política dos Estreitos», materializada nas conquistas da ilha de Socotorá, de Ormuz e, por último, de Malaca, além da tentativa fracassada para conquistar Áden.

 

A necessidade de controlar eficazmente a navegação do Índico, de forma a garantir o monopólio do comércio das especiarias, levou alguns estrategas portugueses a considerar que era imperativo estender os requisitos iniciais de domínio do mar, para a conquista de posições estratégicas em terra. Nesta tarefa, estiveram envolvidos os navios de maior poder de fogo, sobretudo naus e galeões. Porém, também participaram outros de menor porte (caravelas redondas, galés e fustas), que conferiram melhor desempenho às armadas constituídas com o objectivo de desenvolver acções de projecção de força em terra, mas que, como anteriormente se referiu, não descuravam a recolha de informações estratégicas sobre as regiões visitadas, onde a hidrografia assumia importância crucial.

 

In: http://www.revistamilitar.pt/artigo.php?art_id=667 (14/05/2014)

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