Piratas e Corsários Portugueses
Os Navios e as Técnicas Náuticas Atlânticas nos Séculos XV e XVI: Os Pilares da Estratégia 3C
1. Introdução Contra-almirante António Silva Ribeiro
Com o presente trabalho pretendemos mostrar como a evolução conjugada dos navios e das técnicas náuticas atlânticas desenvolvidos pelos portugueses, permitiram pôr em prática uma estratégia marítima que, entre os séculos XV e XVI, se destinou a conhecer, comerciar e combater (estratégia 3C) no mar e a partir do mar, de forma a conferir a Portugal uma função de enorme relevo na concretização do marco civilizacional conhecido como Época dos Descobrimentos. A estratégia 3C permitiu inaugurar uma nova etapa no conhecimento geográfico, alcançar e controlar as fontes de riquezas e, em simultâneo, conter a oposição às pretensões portuguesas. Desta forma, desencadeou a era do poder marítimo, caracterizada pelo emprego global e simultâneo de navios em actividades científicas, económicas e político-militares, de modo a garantir o uso do mar em função dos interesses nacionais, em tempo de paz ou de guerra, o que conferiu a Portugal uma enorme relevância marítima do século XV ao XVI.
Embora o assunto, pela sua vastidão e complexidade, requeira estudos pluridisciplinares mais aprofundados, neste trabalho procuramos estabelecer aquilo que se nos afigura terem sido os principais tipos de navios desenvolvidos ou utilizados pelos portugueses para realizar as actividades marítimas, com o intuito de identificar as suas características determinantes e períodos de emprego ao serviço da estratégia 3C: 1415-1487; 1487-1509; e 1509-1550. Abordaremos, também, as técnicas náuticas, de forma a avaliar em que medida os instrumentos, os processos e os documentos que as suportam, foram indispensáveis para a realização dos levantamentos hidrográficos, para a prática de entrepostos e para a projecção da força naval feita por Portugal à escala global.
No capítulo dedicado aos tipos de navios, debatemos as características técnicas determinantes das caravelas, das naus e dos galeões, estabelecendo, entre outros aspectos, a relação entre a sua dimensão e a evolução do respectivo aparelho vélico, bem como as correspondentes funções, quandointegrados em frotas, armadas e comboios. Procuramos, igualmente, explicar a relação entre a supremacia naval portuguesa e a versatilidade náutica da caravela, a capacidade de carga da nau e o poder de fogo do galeão, para o que recorremos às relações entre a velocidade, a manobrabilidade e o armamento destes tipos de navios. Também pretendemos evidenciar que, embora a nau seja um navio muito relevante no período estudado, é indispensável considerar a caravela e o galeão, detalhando as suas características relativamente à dimensão e aparelho vélico, porque só assim se percebe cabalmente como, de forma conjugada, permitiram o domínio marítimo e conferiram corpo ao primeiro pilar da estratégia 3C.
No capítulo dedicado às técnicas náuticas, começamos por averiguar em que medida a introdução da agulha de marear implicou uma nova forma de navegar, ao mesmo tempo que a sua evolução, ao nível da constituição e da estabilidade, se reflectiu num maior rigor dos rumos e, consequentemente, da posição dos lugares na carta náutica. Seguidamente, analisamos as cartas--portulano, caracterizando a sua utilidade náutica, a técnica do traçado do ponto de fantasia e as manifestas insuficiências de detalhe junto à costa, razões que explicam a necessidade dos portulanos continuarem a ser utilizados. Prosseguimos, descrevendo a técnica de construção e actualização da carta náutica, o uso da toleta de marteloio e as deficiências das representações geográficas devidas à não homogeneidade do magnetismo terrestre. De seguida, caracterizamos as cinco fases de evolução da náutica astronómica portuguesa, entre meados do século XV e meados do século XVI, evidenciando as repercussões que tiveram no rigor da navegação e da cartografia, no que concerne, respectivamente, ao posicionamento dos navios e à geo-localização dos lugares na superfície da Terra. Neste contexto, apresentamos os esforços realizados para desenvolver ou adaptar os instrumentos, os processos e os documentos que, ao conferirem corpo às técnicas náuticas portuguesas, constituíram o segundo pilar da estratégia 3C.
In: http://www.revistamilitar.pt/artigo.php?art_id=667 (14/05/2014)