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A República Corsária de Bouregreg - I

Cães, rendam-se aos de Salé!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O estabelecimento do terror da inquisição em 1478 em Espanha e em 1536 em Portugal, deu origem a um êxodo de milhares de mouriscos da Península para Marrocos. Muitos destes espoliados foram engrossar as fileiras do corso, transferindo para o mar a guerra que contra eles fora iniciada.

No início do século XVII a “guerra do corso” estava no seu auge. Dos vários ninhos de corsários estabelecidos nas costas de Marrocos destacou-se o dos corsários de Salé. A sua actividade era tal, que se estima que só entre 1618 e 1624 terão feito 6.000 cativos, atacado 1.000 navios e pilhado mercadorias num total equivalente a cerca de três mil milhões de euros em moeda actual.

A partir de 1627 os corsários de Salé proclamam uma república independente que iria vigorar durante 41 anos e que ficou conhecida por República de Salé, República das Duas Margens ou República Corsária de Bouregreg, nome do rio que divide as cidades de Salé e Rabat.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Hornachos é uma povoação da Extremadura Espanhola, habitada no início do século XVII por uma importante comunidade de mouriscos. Essa comunidade conseguiu manter-se em Espanha até 1609 à custa de subornos à inquisição e à própria coroa espanhola, a quem tinham inclusivamente comprado o direito de usar armas, no tempo de Filipe II, mediante o pagamento de 30.000 ducados. Ao contrário da maioria dos mouriscos, os hornacheros continuavam fieis ao Islão e falavam o Árabe. Tinham fama de serem um “bando de rufiões”, uns fanáticos, salteadores de estrada e falsificadores de moeda.

Apesar de no ano de 1609 ter sido publicado um decreto que os expulsou do país, provocando a sua fuga massiva para Marrocos, os hornacheros conseguiram levar as suas riquezas antes da publicação do decreto de expulsão, por antecipação, já que os mais ricos teriam começado a afluir a Marrocos desde o reinado do Sultão Abdelmalek, entre 1576 e 1578.

Os cerca de 3.000 hornacheros expulsos em 1609 instalaram-se inicialmente em Tetuan, mas o Sultão Mulai Zidane entregou-lhes o célebre Ribat Al-Fath (Ribat da Victoria) ou Ribat de Abdel Moumen, construído pelos Almóadas nos finais do século XII na margem esquerda do rio Bouregreg, uma casbah que se encontrava num estado de abandono total e que foi então recuperada e adaptada para o uso da artilharia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Do outro lado do rio existia uma cidade, importante base de corsários, denominada Sala El-Bali ou Salé a Velha, governada por um morabito de nome Sidi El-Ayachi, que dirigia uma guerra impiedosa no mar contra os cristãos. Era uma cidade que tinha prosperado como porto comercial, servindo a capital do sultanato, a cidade de Fez. Inicialmente terá havido a intenção de instalar os hornacheros em Salé, mas não terão sido bem aceites pelos locais, dado que eram culturalmente “híbridos” e como tal, vistos com desconfiança.

O Ribat de Abdel Moumen ou Casbah Oudaya integrava-se num conjunto mais vasto de fortificações e edifícios abandonados, como as muralhas Almóadas e a célebre Torre Hassan, minarete de uma mesquita inacabada, gémeo da Kutubya de Marraquexe e da Giralda de Sevilha. O recinto muralhado nunca chegou a ser povoado, encontrando-se à data ocupado por hortas e pequenas habitações. Os hornacheros promoveram então a vinda de mais mouriscos andaluses, que se estima num total de 10.000, que foram instalados no interior da cerca Almóada, que reconstruíram, dando origem à cidade de Sala Jdid ou Nova Salé, actual medina de Rabat, que por esse facto é considerada uma das cidades Andalusas de Marrocos.

Deste modo ficaram estabelecidos três núcleos urbanos distintos _ Salé, na margem Norte do Bouregreg, Nova Salé e a Casbah na margem Sul, actualmente integradas na cidade de Rabat.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os recém chegados andaluses eram maioritariamente cristãos e falantes nativos do castelhano. Ao instalarem-se na região converteram-se ao Islão e aprenderam o Árabe, mas eram vistos com desconfiança pelos habitantes de Salé, que lhes chamavam “cristãos de Castela”. Ávidos de vingança contra os seus espoliadores Ibéricos, depressa se integram com os hornacheros na guerra do corso promovida por El-Ayachi, e o poder dos Corsários de Salé ou “Salé Rovers”, como ficaram conhecidos, aumentou de tal forma que começam a afluir à zona muitos aventureiros, renegados, marinheiros e comerciantes europeus em busca de fortuna, não só para integrarem as tripulações dos xavecos, como para comercializarem as mercadorias apresadas.

Esta chegada de milhares de pessoas ao Bouregreg é acompanhada de uma migração de camponeses do interior do território, que aqui vêm “à procura de pão e de trabalho, para escapar às epidemias e à miséria que atingem nessa altura os campos marroquinos”.

Os holandeses e os ingleses são particularmente atraídos e até oficialmente encorajados, já que a Holanda e a Inglaterra se encontravam em guerra com a Espanha, mas também afluem a Salé muitos renegados portugueses, espanhóis e franceses. O afluxo de renegados tem um “pico” em 1614, quando os espanhóis conquistam a base corsária da Mamora, expulsando os corsários estrangeiros, maioritariamente ingleses, que aí se encontravam. Esta situação traz também grandes benefícios aos corsários mouriscos, que passam a usufruir de “apoio técnico” para a sua construção naval, técnicas de navegação e apoio médico. Um dos renegados famosos foi Ahmed “El Inglizi”, “o Inglês”, que ajudou os andaluses na fortificação de Nova Salé. Muitos Norte-africanos, nomeadamente argelinos, tunisinos e líbios também procuram em Salé a sua sorte, bem como turcos otomanos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O xabac ou xaveco é o barco de eleição dos corsários. É extremamente rápido e manobrável, dispondo de um conjunto de remos que lhes permite navegar sem vento e imprimir maior velocidade nas situações de abordagem. “A par destas características técnicas, a armada corsária de Salé utiliza tripulações muito numerosas, nomeadamente para a abordagem, onde a superioridade numérica é essencial (…) o espaço habitável e os víveres necessários para a tribulação são reduzidos ao mínimo. O espaço sobrante disponível é geralmente reservado para a instalação de peças de artilharia e armazenamento de pólvora.” A relação tonelagem/tripulação era de 1,5, extremamente elevada, ou seja, num xaveco de 300 toneladas a tripulação atingia os 200 homens.

Os corsários utilizavam a violência nas suas abordagens de forma inteligente, preferindo sempre a rendição das suas presas a um ataque directo, que podia provocar feridos desnecessários do seu lado e punha em risco a própria mercadoria a apresar. Uma táctica muito utilizada era hastear pavilhões de nações “amigas” da sua presa e conseguir assim uma aproximação segura. “Àgloriosa incerteza do combate, preferiam vítimas desarmadas e pacíficas”.

 

In:http://historiasdeportugalemarrocos.wordpress.com/2014/04/30/a-republica-corsaria-de-bouregreg/#more-1855

 

Salé e Nova Salé no séc. XVI da obra Civitates Orbis Terrarum de Braun e Hogenberg, 1572 . nota: as designações sala noua e sala vetus encontram-se erradamente localizadas nesta gravura

A Casbah Oudaya, antigo Ribat de Abdel Moumen

Hornachos . foto de José A. Díez

(Grito de abordagem dos corsários de Salé)

A Torre Hassan de Rabat

O xabac ou xaveco, barco preferencialmente utilizado pelos corsários

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