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Portugal - País de Navegadores, Marinheiros e Descobridores III

Pesquisa de Carlos Leite Ribeiro

A Nau "Flor de La Mar"

Um notável exemplo de longevidade de uma nau do primeiro quartel do Século XVI foi dado pelos nove anos de aventuras e trabalhos da célebre “Flor de La Mar”, afundada nas costas de Sumatra com os tesouros de Malaca trazidos por Afonso de Albuquerque. Segundo o “Livro de Toda a Fazenda”, a contabilidade pública de então, em 1505, D. Manuel I encarregou o provedor João Serrão de armar oito grandes naus, seis navetas e oito caravelas, além de outros navios, para formarem a armada do Vice-Rei D. Francisco de Almeida. A “Flor de La Mar”, capitaneada pelo alcaide menor de Lisboa João da Nova, fazia parte com a “Bom Jesus”, a “S. Gabriel”, a “S. João”, a “Espírito Santo”, a “S. Tiago”, a “Bota Fogo” e a “S. Catarina” do lote de 8 naus de 400 toneladas, cuja principal missão era estabelecer o domínio naval português no Índico. Provavelmente tratava-se da segunda viagem à Índia da nau “Flor de La Mar” com João da nova como capitão. Efectivamente, este galego de nação e fidalgo de Portugal fora o capitão-mor da terceira armada enviada por D. Manuel I à Índia. Com três naus, uma delas talvez a “Flor de La Mar”, apesar da crónica de Goês não citá-la ainda de nome, e uma caravela, João da Nova partiu a 5 de Março de 1501 para chegar a Cananor em Agosto e receber um primeiro carregamento completado depois em Cochim, onde as naus foram calafetadas, reparadas e breadas. Depois de umas escaramuças que levaram ao afundamento de três paraos de uma grande frota enviada pelo Samorim, João da Nova regressa a Lisboa, tendo entrado no Tejo a 11 de Setembro de 1502. Na segunda viagem do notável navegador que parece não ter o seu nome merecidamente glorificado numa rua de Lisboa, este recebeu ordens para cruzar entre o Cabo Camorim e as Ilhas Maldivas, levando também um alvará real de nomeação para capitão-mor da armada da costa da Índia. A armada de D. Francisco de Almeida com a “Flor de La Mar” largou pois a 5 de Março de 1505, dobrou o Cabo da Boa Esperança em fins de Junho sem grandes percalços. Nos primeiros dias de Agosto, as principais naus da armada com a “capitania” lançaram ferros frente a Mombaça. O Vice-Rei mandou o intrépido João da Nova a terra para comunicar com os habitantes. “Estes receberam-no à pedrada” – escreveu Gaspar Pereira, escrivão da armada. João da Nova dispara dois berços de metal que levava no batel, “com que logo na praia pagou o jogo das pedras”. “Olá dos navios! Ide dizer ao Vice-Rei que venha em terra, que em Mombaça não há de achar as galinhas de Quiloa, mas vinte mil homens que lhe hão de torcer o focinho …… – diziam os naturais na praia da Ilha - continuou Gaspar Correia na sua crónica da viagem. Na manhã seguinte, 1300 soldados da armada desembarcaram em Mombaça, distribuídos em duas colunas. Depois de uma peleja encarniçada, o xeque de Mombaça pede a paz e a armada zarpou com os presentes do potentado, agradecido por lhe pouparem a vida e não terem destruído a cidade.  A Cochim, a armada chega a 1 de Novembro, tomando de imediato conhecimento da existência de uma esquadra de 400 navios e 10 mil homens organizada pelo Samorim para enfrentar as forças do Vice-Rei. Muito chegado a terra, os navios do Samorim tiveram de se haver com as caravelas e galés de Portugal porque as naus não podiam chegar-se tanto. Numa naveta artilhada, João da Nova comete proezas sem par juntamente com os navios mais pequenos da armada. “Tudo era fogo, fumo e gritos” – escreve Gaspar Correia. As três bombardas e os seis falcões de cada uma das caravelas fizeram uma razia, opondo-se com a sua superioridade aos pelouros e flechas dos mouros. Em Fevereiro de 1506, a “Flor de La Mar” com a “S. Gabriel”, capitaneada por Vasco Gomes de Abreu, recebe ordens para largar de Cochim rumo a Portugal. Além do valioso carregamento de especiarias levavam um pequeno elefante. Gaspar Correia cita a “Flor de La Mar” ainda sob o comando de João da Nova nas duas armadas de Tristão da Cunha e Afonso de Albuquerque saídas de Lisboa para a Índia a 5 e 7 de Abril de 1506. Na verdade, deveria estar equivocado. A “Flor de La Mar” não poderia chegar a Lisboa nessa data e outros arquivos históricos dizem-nos que nunca chegou a sulcar novamente as águas do Tejo, pois na viagem de regresso a Portugal arribou à Ilha de Moçambique com água aberta e grande dificuldade para consertar a avaria. Ficou no canal entre a Ilha e a Cabaceira, a zona de abastecimento das naus com água potável. Aí é que a armada de Tristão da Cunha encontrou João da Nova com a sua “Flor de La Mar”. Sendo amigo e compadre de João da Nova, Tristão da Cunha fez tudo para salvar a”Flor de La Mar”. Comprou uma nau comercial de Lagos que vinha na sua armada para transbordar toda a mercadoria que vinha na “Flor de La Mar”, a fim de a “pôr a monte” para os consertos necessários. Assim feito, João da Nova e a sua nau foram mandados de novo para a Índia integrados na armada de Afonso de Albuquerque, mas João da Nova foi desgostoso por o Vice-Rei não ter aceite o seu alvará de capitão-mor e, agora, em vez do regresso à Pátria ia acompanhar Albuquerque em trabalhos e aventuras ainda inimagináveis. Tal como a sua nau, também João da Nova nunca mais veria as águas do Tejo. Apesar de insatisfeito, o alcaide menor de Lisboa mostrou-se tremendamente eficaz em todas as tarefas em que se meteu. Logo em Abril de 1507, João da Nova acompanha Afonso de Albuquerque com 300 homens no ataque à fortaleza de Socotorá, defendida por centena e meia de “fartaquins”, pondo-os todos em fuga. Reconstruiu-se a fortaleza; Portugal controlava agora a estratégica entrada para o Mar Vermelho. Em carta não datada, mas provavelmente de 1506, dirigida a D. Francisco de Almeida, D. Manuel I ordena o envio de navios a Malaca e nomeia João da Nova capitão-mor de uma armada de uma nau, um navio e uma caravela que ficará aí. Ao mesmo tempo, El-Rei ordenou que a “Flor de La Mar regresse a Portugal sob o comando de Francisco de Távora, enquanto João da Nova deveria ser o capitão da nau “Rei Grande”, anteriormente do Távora. Não foram cumpridas estas ordens de D. Manuel I; era demasiado cedo para ir a Malaca sem ter previamente estabelecido o domínio do Índico. 
(Texto de Dieter Dellinger publicado na REVISTA DE MARINHA em Abril de 1989)

 

 

HISTÓRIA DE UM HUMANISTA D0 RENASCIMENTO PORTUGUÊS (SÉCULO XVI) CUJA CAPACIDADE OS HOMENS DO SEU TEMPO NÃO SOUBERAM APROVEITAR - de Adolfo A. Silveira Martins
in Revista Pesca e navegação, Fevereiro de 1991: 48 e 49 

 

Fernando de Oliveira, humanista do renascimento português, recolheu na sua obra o «... saber da experiência feito...», transmitido por gerações de mestres construtores navais.
Sousa Viterbo em «Trabalhos Náuticos dos Portugueses», referencia alguns destes mestres que se perderam na escuridão do tempo, mas delegaram oralmente nos discípulos a arte da «Fabrica das Naus».
Portugal, nos finais do século XV, meados do séc. XVI, respondeu ao estímulo da descoberta de novos mundos desenvolvendo progressivamente a navegação oceânica e subsequentemente evolui na caracterização tecnológica do navio. Nesta época assistia-se à plena actividade dos arsenais de construção naval junto das principais localidades marítimas sobressaindo, entre as demais, a importância da Ribeira das Naus, em Lisboa, das Ribeiras do Porto, de Lagos, Sesimbra e Viana da Foz do Lima.
Fernando de Oliveira, provavelmente nascido em Aveiro, por volta de 1507, foi dos mais importantes teorizadores e aglutinadores dos conhecimentos da arte de construção naval do séc. XVI.
A vida de Oliveira, cuja biografia se encontra ainda hoje parcialmente obscura, com inúmeras lacunas e dúvidas, teria sido uma das mais atribuladas do seu tempo. Fernando de Oliveira, foi filólogo, clérigo, cronista, professor, piloto, soldado e sobretudo um grande aventureiro.
Iniciou a sua educação no convento de 5. Domingos até 1522, altura em que entrou para a ordem, de onde fugiu para Castela em 1532. Em Castela tornou-se clérigo secular e em 1536, regressado a Lisboa, foi mestre dos filhos de João de Barros, barão do Alvito e de D. Fernando de Almada, entre outros homens da Coroa.
Ainda no mesmo ano edita a primeira gramática em língua portuguesa. Por volta de 1540/41, parte para Itália, com destino a Roma, onde provavelmente nunca chegou, ficando pelo sul de França. Em 1543 regressa a Lisboa. 1544 ou 45, foi o ano em que uma armada de galés do Barão de La Garde, aporta a Lisboa dirigindo-se à Mancha, para combater Henrique VIII, a mando do monarca francês, Francisco I. Oliveira, conhecendo o capitão de uma das galés, o Barão de Saint Blancard, oferece-se como piloto, fazendo-o passar pelo nome de Martinho. A imediata cedência do capitão francês à pretensão de Fernando de Oliveira, indicia-nos a sua anterior passagem por terras de França, provavelmente por Marselha, para além da sua evidente experiência como homem do mar. Ainda, como piloto ao serviço de França foi aprisionado em 1546 pelos ingleses. Permaneceu em Inglaterra cerca de um ano e chegou, de muito próximo, a partilhar as ideias do monarca inglês, o que o levou no Outono de 1547, já então em Lisboa, a responder perante o Tribunal da Inquisição por denúncia do seu antigo adversário João Borgonha. Esteve preso até 1548, quando da primeira advertência do Santo Ofício, altura em que se obriga a reconhecer os seus actos de heresia. Encerrado no Mosteiro dos Jerónimos até 1551, é-lhe concedida liberdade pelo Cardeal D. Henrique, embora limitando-lhe a permanência em território português. No verão de 1552 parte uma expedição contra Maley Mamed em auxílio do «Rei de Velez». Oliveira parte com ela, acabando por ser detido e levado a Ceuta, antiga praça portuguesa, a fim de servir de emissário, em nome dos seus companheiros, para negociar o resgate com o então governador D. Pedro de Menezes.
O cariz da personalidade de Oliveira, reflecte-se aqui pela expressão de D. Pedro que lhe chama um «... homem muito desassossegado...». Resgatando dentro do prazo todos os seus compatriotas, expedicionários, regressa a Lisboa. D. António da Cunha, seu pseudo amigo convida-o para sua casa na Beira Alta, local onde vem a receber em 1554 ordem de prisão, igualmente por denúncia de atentado contra a moral cristã. D. João III fá-la cumprir em 1555, já então após nomeação deste como revisor de Imprensa da Universidade de Coimbra, onde também lecciona retórica. Em 1556, recebe proposta para regressar a França e a partir de então, não mais se sabe de Fernando de Oliveira, supondo-se que ainda viveria na década de oitenta.
A maioria das informações biográficas de Oliveira, deve-se à profunda investigação que Henrique Lopes de Mendonça fez da sua vida, sendo no entanto uma das principais fontes documentais o processo inquisitorial a que foi submetido.
Para além de tratadista em construção naval, ao escrever a «Ars Náutica» e principalmente o «Livro da Fábrica das Naus», Oliveira faz, para português, a tradução da obra «De Re Rustica» de Columelle, escreveu uma História de Portugal (1581), uma gramática e o livro da «Arte da Guerra no Mar» (1554), em comentário ao desastre da expedição ao norte de África bem como, reflectindo sobre a competência dos capitães que a dirigiam.
A «Ars Náutica», editada em latim, em 1570, encontra-se hoje depositada na Biblioteca de Leiden, na Holanda. Trata-se de uma obra de difícil leitura, confusa, no entanto de excelente qualidade, não só pela informação compilada, até então dispersa por alguns elementares Regimentos para uso exclusivo dos mestres de construção, como pelos desenhos técnicos que apresenta.
Na primeira parte, com treze capítulos, Oliveira reflecte sobre conhecimentos científicos aplicados à navegação, tratando da cartografia, fabricação e uso de instrumentos náuticos, astronomia, cálculo de rotas e meteorologia.
A segunda parte, dedica-a fundamentalmente à construção naval e instrui sobre as boas regras a cumprir, para evitar a imperfeição dos navios. Oliveira, faz uma descrição pormenorizada do processo de calculo para obtenção das mestras de um navio de carga de 18 rumos de quilha. Descreve o traçado da roda de proa, do cadaste, do lançamento e recolhimento das cavernas, permitindo no entanto alguma flexibilidade que possa ser imprimida pelo mestre construtor. Fernando de Oliveira preconiza a hidrodinâmica do navio. Debruça-se, ainda nesta segunda parte, sobre os melhores tipos de madeiras a aplicar na construção de navios, para além de reflectir acerca da construção de embarcações a remos.
Na terceira parte da «Ars Náutica», emite conselhos sobre a vida a bordo, no geral, particularizando a deontologia do marinheiro, a disciplina e a alimentação.
O Padre Fernando de Oliveira na obra o "Livro da Fábrica das Naus", elaborado entre os anos de 1570 e 1580, e editado apenas em 1898, por Henrique Lopes de Mendonça, pretendeu atingir a exaustão do conhecimento da arte de construção naval do seu tempo, não só referindo à arquitectura dimensionada do navio, como salientando toda a problemática adjacente. Propõe-se então Oliveira «... tratar premeyro das madeyras accõmodadas para a fabrica naual, e de suas qualidades: £ do tempo em que deuem ser colhidas, £ per que modo. Despoys trata dos achegos ...» «... Despoys das medidas, £ symetria das naos...»: «... £ de seus aparelhos...» «... £ do modo, £ engenho de marear, £ lançar as naos,...».
O «Livro da Fábrica das Naos», recolhido na Biblioteca Nacional de Lisboa, compõe-se de um Prólogo e nove capítulos sobretudo dedicados à arte de construção naval.
No prólogo o autor justifica a sua obra, acentuando que «...os nauios são necessários para a arte da navegação, £ a navegação pera a gente desta terra de Portugal...»
O segundo e o terceiro capítulos tratam exclusivamente do tipo de madeiras, a sua melhor aplicação às diferentes partes do navio e da altura, em que as árvores devem ser cortadas, para que reúnam as melhores características para a construção. Fala-nos do sobreiro, cuja madeira é forte e dura para o cavername e do pinheiro para o tabuado. O azinho e o carrasco para o substituir, como também do abeto, do cedro, do cipreste para outras finalidades.
O quarto capítulo trata dos pregos, estopa, breu, alcatrão, sebo, resina, da sua qualidade e aplicação.
No quinto capítulo, distingue os diferentes tipos de navios, salientando a nau, a galé, o galeão e a caravela.
A proporção dos navios de carga é tratada no oitavo capítulo, caracterizando-os pela necessidade de serem «... fortes, ueleiras, £ de bom porte».
Na construção do navio, dever-se-á exigir boa simetria e proporcionalidade. Segundo nos dita Oliveira é da implantação da quilha que dependem estas características, porque com elas estão correlacionadas todas as outras partes do navio, como as proporções da largura, altura, fundo, graminhos, lançamentos e boca.
Para Oliveira, a largura e a altura deverá ser cerca de um pouco mais que um terço do comprimento da quilha. Para uma nau de dezoito remos de comprimento, a largura será de seis a oito e a altura um pouco menos.
O Padre Fernando de Oliveira tratou pormenorizadamente das traças de quilha, sobrequilha, lançamento de proa e popa, roda de proa, cadaste, mestras, graminho, almogamas, côvado, e de todas as outras obras, de um navio redondo.

Por último no nono capítulo fala-nos do aparelho.
O Padre Fernando de Oliveira foi um homem do seu tempo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A artilharia em arqueologia subaquática - escrito por Alexandre (http://naufragium.blogspot.com)
A maioria das peças de artilharia era fabricada ou em ferro ou numa liga de cobre e variadas quantidades de chumbo, estanho ou zinco, ou seja, em bronze. 
Na história da artilharia, é possível reconhecer um padrão típico de evolução em que primeiro surgiram as armas de ferro forjado no século XIV, depois no século XVI as armas em bronze fundido e, finalmente, dominaram as armas de ferro fundido (a distinção entre canhões de bronze e de ferro faz-se rapidamente, mesmo em ambiente subaquático, visto que as armas feitas com este último metal ganham rapidamente concreções que disformam enormemente a forma da peça, chegando mesmo ao ponto destas se confundirem facilmente com uma rocha ou com os fundos envolventes. Pelo contrário, e devido à elevada toxicidade que o cobre apresenta para todas as formas de vidas, as armas de bronze raramente apresentam grandes concreções embora possam servir de substrato a uma camada, mais ou menos espessa, de restos de seres vivos). 
Outra das características distintivas das armas de fogo é o seu método de carregamento. Dentro desta categoria encontramos armas de carregar pela culatra - como os famosos berços portugueses introduzidos por D. João II nas forças navais da época - e armas de carregar pela boca. 
Enquanto que as armas mais primitivas eram feitas à base de chapas de ferro (marteladas e depois unidas pela utilização de anéis metálicos aquecidos ao rubro, criando-se assim as bombardetas que persistiram até ao século XVII), os canhões de bronze tiveram o seu início com os fundidores de sinos. Estes aperfeiçoaram tão bem a sua metalurgia que conseguiram criar uma arma mais poderosa e mais bela - principalmente pela utilização de decorações na superfície do metal - do que as existentes até à altura. O método utilizado naquela época para a fundição do bronze levava à criação de moldes individuais que eram inutilizados durante o processo de fabrico, o que originava armas verdadeiramente únicas. 
Contudo, devido à pressão feita pelas diferentes coroas europeias, tentou-se recorrer à estandardização das medidas, nomeadamente no que tocava às dimensões da arma e ao seu calibre. No entanto, raramente os moldes cumpriam as normas oficiais o que levava a que surgissem as denominadas armas bastardas. A partir do início do século XVIII, os governos passaram a criar as suas próprias fundições, o que facilitou a padronização do armamento. 
A fundição de canhões 
A fundição foi realmente um grande salto tecnológico na utilização e manufactura das peças de artilharia. O fundidor realizava, em primeiro lugar, um molde da peça pretendida recorrendo a uma alma de madeira envolvida em barro e matéria orgânica. À medida que o molde ia secando, este era comprimido de encontro a uma forma e depois era coberto com barro, após lhe terem sido pregados os moldes dos munhões, do cascavel e das decorações. A alma era então colocada dentro do molde, o mais centralmente possível, e o metal derretido era então vertido pela abertura da boca. Após o arrefecimento do metal, o molde era partido e era serrada a parte final da arma que se tinha projectado para além da bolada.
A fase mais crucial da fundição era a colocação da alma, visto que qualquer erro na sua inclinação implicaria, no mínimo, graves desvios na trajectória dos projécteis ou, no pior dos casos, o rebentamento da peça. A partir de 1776, os ingleses contornaram este problema furando directamente a alma no canhão, a partir da rotação deste em torno do seu eixo longitudinal. 
Após a fundição, a arma era carregada com o dobro da pólvora que levaria habitualmente e era disparada. Se não explodisse, era preenchida com água e inspeccionada com o intuito de se descobrirem hipotéticas fendas no material. Finalmente, a peça era analisada quanto à sua precisão e era depois contramarcada com as marcas do fundidor e do governo responsável pela fundição. 
A partir do início do século XVI, nota-se que a manufactura das peças de artilharia se bifurca em dois sentidos diferentes. A primeira família de peças de fogo a surgir é a do grupo que engloba as colubrinas e que tem o seu expoente máximo na grande colubrina, uma arma com cerca de 55 quintais, ou seja, 2.300 kg de peso. A segunda família era a dos canhões que se caracterizava por possuir menor comprimento que as colubrinas e em que a gama mais alta de calibres correspondia aos calibres intermédios das colubrinas (por ordem decrescente de dimensão e de calibre encontramos o basilisco, o canhão real, o canhão, o meio canhão, a colubrina, a meia colubrina, o sacre, o falcão, o falconete e, finalmente, o canhão pedreiro que, com um reforço muito fino, disparava projécteis de pedra graças ao recurso a quantidades diminutas de pólvora). 
Atribuir uma classificação a uma boca de fogo revela-se amiúde uma tarefa ingrata, quer pela profusão de termos - aplicados muitas vezes sem lógica alguma pelos artilheiros e fundidores dos diversos países europeus quer pela falta de fontes históricas que esclareçam o assunto. 
Os canhões 
Os canhões eram armas que projectavam projécteis de elevado peso a média distância. Relativamente às outras peças de artilharia tinham também um comprimento mediano que variava 18 a 24 vezes o seu diâmetro interno, ou seja, o seu calibre. 
Dentro deste grupo encontramos o meio-canhão - de menor porte, com um comprimento a variar entre 3.16 e os 3.47 metros, com cerca de 15.8 centímetros de calibre, disparando projécteis de ferro com um peso aproximado de 14 quilos - e o canhão propriamente dito capaz de disparar projécteis com cerca de 22.5 quilos, um calibre de 18.4 centímetros e um comprimento total de cerca de 3.3 metros. 
Os pedreiros 
Os pedreiros eram, como o próprio nome indica, armas que apenas disparavam projécteis de pedra - muito pesados relativamente ao peso da própria peça - a uma distância mais curta do que aquela que era alcançada pelos canhões. 
Caracterizavam-se também por serem armas curtas, com um comprimento que não excedia 8 vezes o seu diâmetro interno, sendo os de menor calibre armas de retrocarga, destinadas essencialmente ao combate anti-pessoal, disparando metralha diversa. A arma mais típica deste grupo é o canhão-pedreiro, que disparava projécteis de pedra com cerca de 10.8 quilos e um calibre de 20.3 centímetros. 
As colubrinas 
As colubrinas eram armas longas que se caracterizavam quer pelo seu comprimento - cerca de 30 a 50 vezes o calibre - quer pela distância que alcançavam os seus projécteis sendo estes, regra geral, muito menos pesados do que os projécteis disparados pelas classes acima descritas. 
Neste grupo, no caso das armas para uso costeiro ou naval, existem: 
- a colubrina, propriamente dita: com um calibre de 13.3 centímetros, um comprimento de cerca de 32 vezes esse diâmetro, ou seja, cerca de 4.2 metros e com a projecção de um pelouro de ferro com cerca de 7.7 quilos de peso; 
- a meia-colubrina: com um calibre de cerca de 10 centímetros, um comprimento de cerca de 3.4 metros e que disparava projécteis com um peso de 4 quilos; 
- e o sacre: que recorria a projécteis com 2.2 quilos, que atingia cerca de 8,8 centímetros de calibre e cerca de 32 vezes esse valor de comprimento, ou seja, 2.82 metros. Na sua máxima elevação, o projéctil tinha, para este tipo de arma, um alcance máximo de cerca de 1300 metros. 
Nesta última categoria de armas longas incluíam-se armas de calibre ainda menor tais como o falcão, que disparava pelouros de 1.3 quilos e tinha um calibre de cerca de 5,5 centímetros, o falconete, as moyanas, as zebratanas e as passavolantes espanholas e, finalmente, os esmerilhões que disparavam projécteis com peso compreendido entre as 200 e as 450 gramas. 
Para saber mais: 
BROWN, R. (1997) Arms and Armour from Wrecks: an introduction. In REDKNAP, M., ed. Artefacts from Wrecks: Dated Assemblages from the Late Middle Ages to the Industrial Revolution. Oxford: Oxbow Books, Oxbow Monograph 84. 101-109 
BRYCE, D. (1984) Weaponry from the Machault: an 18th Century French Frigate. National Historic Parks and Sites Branch. Parks Canada. Environment Canada.52-55. 
DARROCH, A. (1986) The Visionary Shadow: a Description and Analysis of the Armaments aboard the Santo Antonio de Tanna. College Station: Institute of Nautical Archaeology. Thesis 
SIMMONS III, J. (1988) Wrought-iron Ordnance: revealing discoveries from the New World. In The International Journal of Nautical Archaeology and Underwater Exploration. 17.1: 25 – 34. 
(escrito por Alexandre)

 

Vestígios da mais antiga ferraria de Portugal 

Investigadores identificaram recentemente em Barcarena, Oeiras (perto de Lisboa), vestígios do que pensam ser a mais antiga e mais importante ferraria régia em Portugal, datada de 1487, confirmando no terreno a existência de uma unidade de que só havia conhecimento documental.
As Ferrarias de Barcarena, ou Ferrarias del Rey, foram descobertas no perímetro da Fábrica da Pólvora, em Barcarena, e segundo o arqueólogo João Luís Cardoso, coordenador do Centro de Estudos Arqueológicos (CEA) do concelho de Oeiras, são as “mais antigas e importantes ferrarias régias” em Portugal. 
A descoberta resulta da prospecção em curso no núcleo antigo da Fábrica de Cima, uma unidade industrial em ruínas situada a montante do Museu da Pólvora Negra, no interior do complexo da Fábrica da Pólvora em Barcarena. Foi neste edifício, situado na margem esquerda da ribeira de Barcarena, que recentemente foram localizados vestígios do edificado primitivo das Ferrarias del Rey. 
Segundo explicou o arqueólogo à agência Lusa, a descoberta permitiu confirmar a localização e a existência daquela unidade de produção de armamento, que terá sido mandada construir ainda durante a regência de D. João II. Já antes havia indicações da existência desta unidade, mas este conhecimento baseava-se apenas em documentos históricos. “A descoberta da galeria das rodas hidráulicas e o desnudar do local onde estavam implantados dois dos arcos de suporte da abóbada da galeria” permitiram confirmar a fidelidade do mais antigo registo gráfico alusivo àquela oficina: uma planta desenhada pelo engenheiro italiano Leonardo Turreano em 1618", disse o arqueólogo, secundado pelo historiador José Luís Gomes, que tem desenvolvido as prospecções arqueológicas.
Data 
A constatação da localização das Oficinas del Rey vem ainda mostrar que o complexo da Fábrica da Pólvora de Barcarena é “muito anterior ao século XVIII, devendo a construção inicial remontar, segundo investigações recentes, a 1620, em pleno período filipino”, acrescentaram os investigadores. 
A descoberta das ferrarias ganha ainda importância “acrescida” no contributo para a história dos descobrimentos portugueses, permitindo reforçar a tese de que Portugal, embora importasse armamento, “apostou igualmente” na transformação do ferro e no fabrico de armas dentro das suas fronteiras. “Se atendermos à data do descobrimento do caminho marítimo para a Índia e à do descobrimento do Brasil e a situarmos com a da laboração das ferrarias, vemos a importância dada pelos reis portugueses à transformação do ferro e ao fabrico de armas dentro das nossas fronteiras, impedindo assim que ficássemos dependentes de outros países, como a Flandres”, sustentaram. 
Para reforçar esta tese falta ainda, segundo José Luís Gomes, “aprofundar o estudo de documentação histórica para determinar se as galerias agora descobertas também coincidem com as das ferrarias régias de D.Manuel, mandadas construir em 1517 e concluídas por volta de 1520/1521, para municiar os navios portugueses”. Se assim for, frisou, as instalações de Barcarena “assumirão ainda maior importância, já que as poderemos integrar nos vários complexos militares e navais que armaram a frota de D. Manuel como os moinhos e fornos de Vale de Zebro, as fundições de artilharia do Cais do Carvão, a Fábrica do Biscoito ou a Cordoaria Nacional”, frisou. 
Culminando um trabalho de investigação em curso desde 2001, a descoberta das Ferrarias del Rey, “que terão laborado até 1695”, permitiu ainda “comprovar o forte desenvolvimento” que terão tido durante o século XVI, nomeadamente no período filipino (1580/1640), referiram os investigadores. Embora o recurso a mão-de-obra biscaínha fosse anterior ao domínio filipino, foi neste período que, segundo os investigadores, Portugal mais recorreu aos artesãos do ferro da zona do Golfo da Biscaia (actual País Basco) por serem “famosos e reputados na arte de manusear o ferro”. 
Lanças, couraças, mosquetes, bombardas de ferro e arcabuzes terão sido, segundo José Luís Gomes, algumas das armas ali fabricadas, consoante listagens de armamento fabricado em Barcarena recolhidas pelos investigadores.
Para comprovar que o actual perímetro da Fábrica da Pólvora constitui “um dos mais importantes conjuntos de património português de arqueologia industrial”, arqueólogo e historiador vão continuar as prospecções para tentar localizar as forjas, a casa de verrumar e de amolar, consoante documentos de que dispõem datados de 1775. A investigação não ficará por aqui, garantem, já que há que “comprovar que terá sido da adaptação das Ferrarias del Rey que surgiu a primeira unidade de fabrico de pólvora em Barcarena, no espaço que está em ruínas e que é designado por Fábrica de Cima, e não pela designada Fábrica de Baixo, onde está instalado o Museu da Pólvora Negra”, concluíram. Desactivada em 1988, a Fábrica da Pólvora é hoje um espaço de lazer gerido pela Câmara de Oeiras, onde estão instaladas infra-estruturas como o museu, biblioteca, restaurante e jardins.
in, O Primeiro de Janeiro, 24 de Setembro de 2006

 

Explosivos usados e armas - A pólvora

A pólvora, há muito conhecida na Europa, já era fabricada em Portugal desde o século XV. Era composta por uma mistura de salitre (75%), enxofre (12,5%) e carvão (12,5%). A partir do século XVI a mistura deixou de ser em pó e passou a ser em grão, porque assim conseguia-se maior estabilidade no armazenamento e melhor eficácia no tiro. A pólvora era utilizada para fazer os canhões dispararem pelouros, mas os pelouros que então se conheciam eram de pedra ou de ferro, não eram explosivos.Os primeiros explosivosOs primeiros projécteis explosivos utilizados na guerra foram as panelas de fogo. Tratava-se de panelas de barro em tudo iguais às da cozinha e cheias de pólvora. Pegava-se-lhes fogo e atiravam-se ao inimigo.Na defesa da cidade de Diu (Índia), na segunda metade do século XVI, os portugueses usaram muitas destas panelas de fogo.A espingardaA espingarda começou por ser uma espécie de pequeno canhão de mão que lançava um projéctil de pedra ou de metal empurrado por uma explosão de pólvora. Este tipo de arma era pouco seguro porque os canos não eram resistentes e podiam rebentar com a força da pólvora. Mas foi-se aperfeiçoando o fabrico. Quando Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para a Índia já era comum haver espingardeiros a bordo. No Oriente, os indianos e mouros utilizavam peças de artilharia, mas de uma maneira geral tinham menos potência do que as portuguesas.

 

Trabalho e pesquisa de Carlos Leite Ribeiro – Marinha Grande – Portugal

 

 

in: http://www.caestamosnos.org/Pesquisas_Carlos_Leite_Ribeiro/Portugal_Navegacoes.html (19/06/2014)

 

 

 

 

 

 

 

 

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