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A República Corsária de Bouregreg - II

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A acção dos corsários não se limitava ao território mais próximo, atacando os navios nas águas do chamado Mar das Éguas e no Mediterrâneo, e fazendo razias nas costas de Portugal e Espanha, mas frequentemente operavam em áreas tão longínquas como os Açores, as costas de Inglaterra e a Islândia. Inclusivamente há notícia de um ataque dos “Salé Rovers” a Baltimore, na América do Norte, e vários à Terra Nova.

Estima-se que o corso de Salé empregasse nas tripulações da sua armada cerca de 4.000 homens, ou seja, 20% do total da população dos três núcleos urbanos, e que o volume de bens apresados e cativos fosse enorme. Só entre 1618 e 1624 terão feito 6.000 cativos, atacado mais de 1.000 navios e pilhado mercadorias num total equivalente a cerca de três mil milhões de euros em moeda actual.

Os lucros eram divididos na proporção de 10% para o Diwan, ou governo da república, 45% para o armador e 45% para a tripulação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entre 1614 e 1619 os destinos da Casbah são dirigidos pelo hornachero Ibrahim Vargas, seu primeiro governador, e entre 1619 e 1627 pelo aventureiro holandês convertido ao Islão Murad Rais, investido pelo Sultão Mulai Zidane em 1624 no cargo de “Grande Almirante”. Para muitos autores foi o primeiro presidente da República de Bouregreg, entre 1624 e 1627, mas para a maioria a fundação da República só se consumaria após a morte do Sultão Mulai Zidane em 1627, já que a nomeação de Murad como Almirante deu-lhe autonomia, mas não independência. O título de “Almirante” era geralmente atribuído aos presidentes eleitos, mas no caso de Murad Rais terá sido encarado apenas como uma “promoção”.

Jan Janszoon nasceu em 1575 em Haarlem na Holanda e aí viveu durante a ocupação espanhola da Flandres, tendo adquirido carta de corso dos holandeses para fazer a guerra aos espanhóis. Como o corso na Flandres era pouco lucrativo, mudou-se para os ninhos de corsários da costa de Marrocos, usando a bandeira holandesa para atacar os navios espanhóis e a bandeira otomana para atacar os navios de outras nacionalidades. Em 1618 foi capturado por piratas argelinos nas Canárias e levado para Argel, onde se converteu ao Islão, tomando o nome de Murad Rais. Pertenceu ao bando do célebre Sulayman Rais ou Seliman Reis, comandando uma frota de 18 dos seus xavecos. Em 1619, no seguimento da morte de Sulayman com um tiro de canhão, instala-se na Casbah, sendo o único não-hornachero a ter assento no Diwan, ou conselho. Em 1627, no seguimento de conflitos internos, abandona Salé e regressa a Argel, voltando a Marrocos em 1640 como governador de Oualidia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em 1627 o Sultão Mulay Zidane morre e os hornacheros deixam de pagar o tributo ao Makhzen ou estado. É oficialmente declarada a república de Bouregreg, sendo apoiada por El-Ayachi e pelos andaluses. A República é governada pelo Diwan instalado na Casbah, constituído pelas 14 famílias mais importantes dos hornacheros, com eleições todos os meses de Maio de cada ano.

Mas o controlo da república exclusivamente nas mãos dos hornacheros não agradava aos cada vez mais andaluses estabelecidos em Nova Salé, e revoltas sangrentas estalam, apoiadas por El-Ayachi. Em 1630 é estabelecido um acordo, segundo o qual hornacheros e andaluses governam a margem Sul em igualdade e El-Ayachi governa a margem Norte. Este período, que se prolongou até 1541, ficaria conhecido como as “Três Repúblicas do Bouregreg”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O período das “Três Repúblicas de Bouregreg” foi conturbado e conflituoso, já que hornacheros, andaluses e habitantes de Salé se envolveram frequentemente em disputas pelo poder, às quais se juntaram as forças do Sultão de Fez, que pretendia impor a sua autoridade, e ataques de potências estrangeiras, caso do ataque e bloqueio naval inglês de 1637, que teve por objectivo tentar libertar cativos cristãos. Essas disputas originavam frequentemente a fuga de habitantes para outras paragens e o estabelecimento e rompimento de alianças ao sabor de acontecimentos circunstanciais.

Em 1641 El-Ayachi é assassinado e os membros da confraria sufista da Zauia de Dila’ tomam o poder, instalando-se em Salé e nomeando qaids para a Casbah e Nova Salé. O poder dos Dilaítas impõe o pagamento de um tributo aos hornacheros e andaluses. A confraria era constituída por berberes do alto Muluya, que no dizer do Árabe Al-Ifrani eram “iguais a bestas de carga e ignorantes até no uso de camisas e de penteados”. A partir de 1644, o marabu da Dila’, Sidi Abdallah, chamado de “príncipe de Salé”, unifica o poder da República e imprime um novo fôlego ao corso. Neste período Salé é considerada a quarta cidade mais importante do universo corsário, a seguir a Argel, Tunes e Trípoli. Os dilaítas chegaram a controlar uma área considerável do Norte de Marrocos, concretamente o chamado “corredor de Taza”, planalto situado entre o Rif e o Médio Atlas, desde o rio Muluya até à foz do Bouregreg, e dominaram cidades tão importantes como Fez, Tetuan e Salé.

Em 1660 hornacheros e andaluses apoiam o corsário Ghailan, inimigo declarado dos dilaítas, que consegue conquistar a Casbah, mas o clima de guerra permanente nunca mais abandonaria a República até à sua queda em 1668 por mão do Sultão Mulai Rachid.

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Apesar do seu carácter de “república marginal”, o Bouregreg foi de facto um estado instituído, tendo sido reconhecido como tal por várias potências europeias, que mantinham relações diplomáticas com presença de consulados. Ainda hoje subsiste na Medina de Rabat a Rua dos Cônsules, designação proveniente desse período. Foi tolerado e inclusivamente utilizado pelo Sultão de Fez como alavanca ou arma de chantagem para conseguir pagamentos das potências europeias, com o argumento de minimizar os ataques aos seus navios. A Inglaterra e a Holanda foram os países que mantiveram relações mais fortes com a República de Salé, aliado seu na guerra contra Espanha.

Logo em 1627, data da proclamação, os ingleses reconhecem o novo estado e assinam com ele um tratado por mão do diplomata John Harrison. Os termos esse acordo previam que os navios de ambos os estados podessem “comerciar e abastecer-se nos portos ingleses e saletinos e que ambos os estados se apoiassem mutuamente contra os seus inimigos”.

As relações com os holandeses foram particularmente importantes por volta do ano de 1650, durante o governo dos dilaítas, tendo a Holanda imposto uma ruptura entre os andaluses e os corsários de Argel, com o objectivo de alcançar o monopólio do comércio com Salé.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A população da República era heterogénea, apesar de a esmagadora maioria serem mouriscos expulsos da Península, que para os árabes ortodoxos de Salé “não passavam de pseudo-muçulmanos”, já que muitos se mantinham cristãos e com hábitos europeus. Para além destes, haviam os árabes, instalados em Salé, os berberes, que habitavam nas montanhas e campos circundantes, e as chamadas minorias _ os renegados europeus, os judeus, os escravos negros e os escravos cristãos. Esta heterogeneidade teria como resultado o aparecimento de características culturais e linguísticas locais. Na Casbah e em Nova Salé falava-se uma língua franca, um misto de árabe, castelhano, português e italiano.

Muitas das mais notáveis famílias da sociedade actual de Rabat guardam os seus nomes mouriscos ou deles derivados, como Bargach (Vargas), Campos, Perez, Balafrej (Pelafres), Barco (Blanco), Carrachkou (Carrasco), Moreno, Pérou (Piru), Palamino, Dinya (Denia), Runda (Ronda), Mulin (Molina), Sabbata (Zapata) ou Cortbi (Cordobês). O carácter fechado da sociedade de Rabat provoca ainda fricções entre os Rbatis, ou membros das famílias antigas, com os Mrabbtin (ou Rabatizados), nome dado aos migrantes rurais que se instalaram posteriormente na cidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

As contradições existentes na sociedade de Rabat-Salé, próprias destes movimentos populacionais que lhes retiram as suas referências e raízes, ficaram bem patentes numa carta do governador português de Mazagão Jorge de Mascarenhas a Filipe III, na qual refere que perguntou a um mourisco de Salé se tinha saudades de Espanha, tendo obtido como resposta que

  “era cristão e pedia a Deus para morrer em Espanha”

 

Bibliografia:

MAZIANE, Leïla . “Salé et ses corsaires, 1666-1727: un port de course marocain au XVIIe siècle”. Université de Rouen Havre, 2007

MONQID, Safaa . “Les morisques et l’édification de la ville de Rabat” . http://cdlm.revues.org/4939

RUANO, Francisco Sánchez . “La República corsaria de Rabat-Salé” .http://lusipedia.blogspot.pt/2009/01/1-la-repblica-corsaria-de-rabat-sal.html

WIKIPEDIA . República de Salé . http://pt.wikipedia.org/wiki/Rep%C3%BAblica_de_Sal%C3%A9

ZAMANE . “Les corsaires de la “République” de Salé . http://www.zamane.ma/les-corsaires-de-la-%E2%80%89republique%E2%80%89-de-sale/

 

 

 

In:http://historiasdeportugalemarrocos.wordpress.com/2014/04/30/a-republica-corsaria-de-bouregreg/#more-1855  (25/06/2014)

 

 

 

 

As muralhas da Casbah Oudaya

Pavilhões da República de Bouregreg, segundo Bowles

Guarda Real na entrada para o recinto do Mausoléu do Rei Mohamed V e da Torre Hassan em Rabat

Vista aérea da foz do Bouregreg. Na margem direita, Salé a Velha. Na margem esquerda a Medina de Rabat ou Nova Salé e a Casbah. Em primeiro plano, à direita, a Torre Hassan

Jan Janszoon van Haarlem, Jan Jansz, John Barber ou Capitão John, aliás Murad Rais, o Novo, “o Grande Almirante”, primeiro presidente da República de Bouregreg

Abdelkader Perez, Rais e “Grande Almirante” de Salé

Grupo de mulheres junto ao Mausoléu do Rei Mohamed V em Rabat

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